terça-feira, 7 de agosto de 2012

Os juristas que queriam dominar o mundo


A cena: Era uma assembleia de grandes pensadores, entusiastas, populares, malucos e outros tantos mais; todos reunidos nos idos dos séculos XVII-XVIII com o intuito de, por terem finalmente derrubado o regime absolutista, fundar a sociedade em sólidas bases democráticas. 

Daí que, não podendo ser diferente, eram enunciados sem trégua grandes máximas republicanas: de que todo poder, em verdade, emanava do povo e que, por isso, era ele quem deveria eleger diretamente os seus representantes, se impossível o exercício direto do poder.

E que tudo isso era bastante claro graças as luzes da razão. Ela havia se libertado das trevas da ignorância moral daqueles que não reconheciam nos homens o óbvio:  a dignidade de serem eles capazes de, por si mesmos, serem donos de seus próprios destinos e, em conjunto, poderem escolher o destino de todos como iguais.

E nada parecia ser mais democrática do que aquela assembléia! Todos opinavam. Uns mais afoitos, queriam a democracia direta, outros insistiam na importância de uma Carta Constitucional que prevenisse usurpações de poder. Quanto a isso todos concordavam. Alguns concordavam tanto com isso que queriam uma Constituição com mais regras que princípios porque "princípio todo mundo interpreta a seu modo, ninguém os leva a sério!", argumentavam.

Mas o argumento que venceu o impasse constitucional foi o de um sujeito simples, calado, que havia passado toda a assembleia ao seu canto: "se for para fazer Constituição com regras ela vai ficar muito grande, ninguém vai querer ler", ele dizia. E foi assim que o senso prático já naqueles tempos se sobressaiu.

Passados os debates e exaustos por causa da democracia, já estavam todos muito bem acordados quanto à Constituição e os seus princípios fundantes. Eis que ao final da sessão, dois rapazes, sabidamente de reputação ilibada e notório saber jurídico, questionaram: "e a quem cabe interpretar os princípios constitucionais? Ao povo? Porque o povo, meus caros, nada sabe de direito!".

Um burburinho novamente tomava conta da assembléia e, ao fundo, uma convicção: o povo deveria ele mesmo interpretar a Constituição. Mas como? O povo mal sabia ler!

Daí que os dois juristas propuseram aquilo que parecia a solução óbvia: "o povo que, data máxima vênia, nada sabe de direito, deverá confiar a interpretação da Constituição a nós juristas!". E continuaram: "ninguém mais do que nós, doutores em leis, para saber qual a melhor forma de se interpretar a  Constituição". E mais: "tal organização de juristas intérpretes da Constituição deverá ter um número limitado de pessoas, que é para evitar confusão. Mesmo porque não é correto se ter confusão em um Tribunal que, por toda a sua importância democrática, pudesse ser chamado de 'Supremo' ou algo parecido". E concluíram: "e isso, excelentíssimos amigos, falamos, é claro, com a devida  vênia ao povo".

Toda a assembléia se quedou espantada com tamanho glamour e convicção de fala daqueles sujeitos. E  bem que também lhes parecia óbvio aquele ponto de vista. Mesmo assim, a assembléia não se furtou em exigir vivamente: "que esses tais juristas tenham a reputação ilibada e notório saber jurídico tal como os senhores!".

E dessa epifania democrática, não do povo, mas em nome do povo, dois juristas pensaram em dominar o mundo inteiro e, sabe-se lá por que, nada conseguiram. Outros juristas, mais práticos, dominam países inteiros que, tal como aquela assembléia, possuem pouca experiência democrática.

E o senso prático prevalece ainda nos dias de hoje!

Data vênia, é claro.

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